Quinta-feira, 19 de Novembro de 2009

Histórias de vida (que servem de inspiração!)

A última história que partilho aqui no blog, retirada do livro "partilha-te", retrata a bonita história (desculpem a redundância) real de um casal que a morte separou. E esta história vem também a propósito de várias conversas que tenho tido ultimamente: casais que estão em fase de separação, como se fica quando "perdemos" a nossa cara metade, ou como é que um relacionamento pode durar 50 anos. São situações que podem acontecer tanto a casais gays como heteros, se bem que a durabilidade de um relacionamento gay é (ainda) muito questionada. O que fazer depois de perdermos a nossa cara metade? Enfim... Cada caso é um caso e tudo depende das circunstâncias em que perdemos o outro... Mas basicamente, na minha opinião, aquela velha história de que "quando nos juntamos a alguém não estamos a pensar na separação", não faz grande sentido. Penso que devemos SEMPRE continuar a pôr-nos em primeiro lugar, depois o filho, depois o marido/esposa ou vice-versa, e por aí a diante. Quando metemos o filho ou o marido em primeiro lugar, é óbvio que a perca de um deles terá efeitos devastadores na nossa vida. Felizmente, os casos próximos e recentes de separações estão de acordo com o que acho correcto o que minimiza em muito os efeitos da separação. Não quero com isto dizer que é fácil! Nada disso! É difícil, muito difícil! E quando isso acontece numa fase madura da vida em que supostamente se estaria numa fase de estabilidade, o facto de olharmos em frente e vermos uma (re)construção de uma nova vida (sozinho ou a dois, normalmente numa fase inicial não se consegue visualizar uma nova vida a dois!) é em muitos casos inadmissível e traumática. Os amigos, a família, são muito importantes no processo... No caso de casais gays é tudo igual... Mas há (ainda) uma diferença... A tal longevidade de um relacionamento - mais uma vez digo, na minha opinião - num casal hetero pode de certa maneira estar facilitada. Os filhos, os netos, que surgem em diferentes fases da vida trazem (quase sempre) novos motivos (normalmente) de alegria e vontade de viver. Nós gays (falo no sentido geral) não temos... Somos nós e o outro... Ok, alguns terão sobrinhos, mas penso não serem comparáveis a filhos... Se isso é bom ou mau (porque muitos casais usam os filhos como salvação do relacionamento, que normalmente nunca dá certo!) cada um saberá, mas certo é que vivemos com menos dependentes de nós e isso dá-nos uma (maior) liberdade para quebrarmos um relacionamento...
Não sei se me faço entender...
Enfim... Adiante!
Aconselho portanto a lerem a história que transcrevo de seguida... Penso que é muito bonita e inspiradora.


A nossa história

 

Porque achei o projecto com interesse, quero partilhar a minha
experiência homossexual com a esperança que ela irá contribuir
positivamente para que a nossa sociedade passe a acreditar que uma
relação “homo” pode ser tão bela e duradoura como uma
“heterossexual”.
Uma vivência em união de facto “homo” só exige como qualquer
outra uma coisa, a existência desse sentimento, tão velho como o
mundo, a que se chamou “Amor”.
A minha relação começa em Outubro de 1967 no desaparecido
Café Monumental com uma simples troca de olhares e de uma atracção
física muito forte. Depois de alguns encontros e apesar de ambos
termos namorados, chegámos à conclusão que algo nos tinha
acontecido e merecia um relacionamento mais estreito.
Ficámos livres e todos os dias surgiam mais indícios de
entendimento, de interesses comuns e de um grande desejo de
estarmos juntos, cada vez com mais frequência e durante mais tempo.
Vão passando os dias até que em 1969 já não temos dúvidas, estamos
unidos e presos por um grande amor. Há que investir nesta relação,
fazer dela uma união familiar em que o meu e o teu passem a ser nosso
e assumi-la se nos fosse perguntado. Com esta decisão deixei a casa dos
meus familiares, alugámos uma casa maior e fui viver com ele e a mãe.
Nesta altura começa outra fase da nossa vida a dois. Tudo é mais
partilhado, desde um quarto só para nós à manutenção da casa, aos
projectos para o futuro, aos problemas maiores e menores que surgiam
por se viver em comunhão total, enfim tudo o que é inerente a uma
família. Os anos vão decorrendo e, apesar de nenhum de nós ser
perfeito ultrapassámos as divergências surgidas com certa facilidade,
talvez porque cada vez mais nos conhecíamos melhor e nos sentíamos
unidos por um grande amor, compreensão e um entendimento sexual
muito forte.
Nunca nos sentimos discriminados, nunca foi necessário afirmar
que éramos um casal “gay”. Os amigos, colegas de trabalho, familiares
e outros aceitaram-nos sempre sem perguntas ou insinuações. Talvez
houvesse alguns que não estivessem muito de acordo, no entanto
nunca o demonstraram, pois a educação é muito bonita mesmo que
isso às vezes obrigue a engolir algum sapo.
Fomos realizando os nossos sonhos, o apartamento com vista para
o mar que tanto desejámos, viajámos, vimos os grandes espectáculos de
ópera e musicais em Nova Iorque e Europa, tivemos uma vida a dois
da qual não nos pudemos queixar e posso afirmar que vivemos a
felicidade, não a total, porque não existe, mas a possível.
Mas como tudo tem um fim, em Janeiro de 2008, quarenta anos
depois, ele partiu, foi traído pelo coração, esse mesmo coração onde
tantos anos morei, disso tenho a certeza. Amei muito, mas também fui
muito amado.
Foi um grande desgosto, até porque nada fazia prever esta partida
súbita. Valeram-me os amigos e famílias e até alguma ajuda médica.
Fiquei na nossa casa, no nosso quarto que mantenho tal e qual estava,
vivendo com a mãe dele que trato e tratarei o melhor que puder, não só
porque a ela me ligam laços que considero familiares, mas também em
memória dele que a adorava.
Para terminar, afirmo que valeu a pena ter vivido esta união de
facto durante 40 anos com um companheiro com quem partilhei uma
paixão e um grande, muito grande amor.
Hoje vivo com a saudade e as recordações de tantos anos. Sei que
jamais voltarei a sentir algo de parecido. Viverei com a sua imagem, o
seu querer, as suas palavras, poemas e tantas provas de amor que me
deu, até ao dia em que partirei ao seu encontro. Serei novamente feliz!

PS. Recorri ao tribunal para me habilitar ao que a lei confere ao
sobrevivente de uma União de facto. O julgamento já se realizou e
espero a sentença.

Carlos
65 Anos

 

Todos os posts sobre histórias do livro "Partilha-te" AQUI

sinto-me: inspirado...
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Sexta-feira, 6 de Novembro de 2009

"Como não contei à minha mãe"

Eu, o lindo e alguns amigos discutimos frequentemente a questão: "As mães sabem sempre que somos gays! São as primeiras a saber!". Eu, baseando-me na minha história pessoal, e acreditando que não me mentiram, tanto o meu pai, a minha mãe e o meu irmão me disseram que nunca desconfiaram...Ok, é certo que há muita coisa escancarada diante dos nossos olhos e nós, por acharmos que é algo que não queremos ver, o subconsciente trata de "não deixar ver"... Já me aconteceu isso, e só me apercebi disso muito tempo depois de ter acontecido! Eu continuo a acreditar que a minha mãe não sabia que tinha um filho homossexual até lhe ter contado. Acredito que ela me achasse especial, diferente, mas penso que não lhe passaria que essa diferença passasse por gostar de homens! Lá na aldeia, a homossexualidade é tabu, e fala-se disso em surdina ou então nem sequer se fala... E muita gente, principalmente mulheres, nem sabem que "isso" pode existir por ali...
Partilho, à semelhança do que tenho vindo a fazer, mais uma história do livro Partilha-te. Tem a ver com este assunto, e a jovem que a escreve fá-la de uma forma muito ternurenta...


Como não contei à minha mãe

 

Tudo tinha acabado, tanto tempo a partilhar a minha vida com
alguém para acabar assim, era difícil de acreditar.
Estava sentada no chão a chorar quando a minha mãe entrou no
meu quarto e sentou-se do meu lado sem nada dizer, esperava que eu
lhe dissesse o que se estaria a passar.
- Eu ainda não estou pronta, eu não consigo contar-te. -
Lamentava a minha falta de coragem, afinal ela era a única pessoa que
receava que me rejeitasse.
- Mas eu já sei, querida.
- Já sabes? Como assim?
- Tu e a tua namorada acabaram.
Não fui capaz de dizer mais nada, encostei a minha cabeça no seu
ombro e deixei que dos meus olhos corressem todas as lágrimas que
teriam de cair, não valia a pena sequer secá-las, logo a seguir viriam
muitas mais, tinha acabado de libertar-me do meu maior medo.
Passaram vários minutos, talvez horas, ou talvez, nas melhores das
hipóteses, o tempo tinha mesmo acabado de parar e a minha Mãe
acabou por falar:
- És a minha filha e eu amo-te acima de tudo, eu sempre te disse
que a única coisa importante para alcançar nesta vida era a felicidade,
não foi?
Consenti e ela continuou:
- E eu só quero que sejas feliz, independentemente dos caminhos
que escolhas, orgulho-me tanto de ti e basta olhares em teu redor,
tantos homossexuais que se assumem e conseguem ser felizes. Tu não
serás diferente, és a minha pequena lutadora e conseguirás tudo aquilo
que quiseres. Sempre que falhares e caíres, eu estarei aqui para te
apoiar, sempre.
Não foram poucas as vezes que tentei falar, mas as palavras de
pura gratidão que brotavam do meu coração, acabaram todas por
morrer nos meus lábios, depois de ouvir da pessoa que mais amo, que
me aceita tal como sou, o que haveria ainda por dizer?
Isto que vos conto não é ficção, é somente a verdade, tenho
imensa sorte, mesmo sem nunca ter dito fosse o que fosse sobre o
facto de ser lésbica, a minha mãe sabia-o melhor do que ninguém.
Muito me escondi e repugnei tudo o que era natural em mim, o
Amor é um sentimento e pertence a todos, sejam quais forem as suas
características!
Aberração? A quem me chama isso só tenho uma coisa a dizer: "O
monstro que vês em mim não passa de um reflexo teu!"
Vivam, amem, sejam felizes que isso, na realidade das coisas, é a
única coisa que realmente interessa.

publicado por cristms às 12:36
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Segunda-feira, 2 de Novembro de 2009

O eterno silêncio...

Depois de contar aos meus pais sobre a minha homossexualidade, vivemos numa aparente normalidade, embora nada estivesse bem. O meu pai nunca mais abordou o assunto, e a minha mãe, quando os visitava à terrinha, lá desabafava um pouco comigo, partilhando a dor que sentia por não poder desabafar com o meu pai sobre o assunto. Sim, porque à assuntos que pura e simplesmente não dão para ser discutidos ou conversados... Passei então - e depois de adoptar a mesma técnica (fazer de conta que nada se passava) - a falar por meio de acções... Reduzi drasticamente as minhas visitas, reduzi os telefonemas, reduzi aos mínimos a minha relação com eles. Eles notaram, principalmente a minha mãe que acabou por ser a vítima deste duro processo... Mas no fundo sabia que ela me apoiava e que entendia as minhas acções... Mas foi no Natal do ano de 2005 se não estou em erro, que dei a golpada final: decidi passar o Natal por cá, acompanhado do lindo, no ano em que o meu irmão também ia passar com a família da minha cunhada, ou seja, eles passaram o Natal sozinhos na aldeia. Custou-me muitoooooooo... Muito mesmo... E a eles também lhes custou muito... Mesmo assim, no dia de Natal, e porque o lindo ia trabalhar, decidi aparecer de surpresa para almoçar com eles. Nunca me hei-de esquecer a cara deles quando me viram dentro de casa: a minha mãe ficou de boca aberta e o meu pai também, e ele teve o impulso de me vir abraçar o que é muito raro acreditem. Foi, e continua a ser dos momentos mais marcantes da minha vida, e ainda hoje não consigo contar o episódio sem ficar com os olhos húmidos, como estão neste preciso momento. Esse Natal foi a golpada final para o meu pai entender que algo tinha que mudar, e de facto, no ano seguinte, mês após mês o meu pai deu passinhos (grandes) para chegarmos ao ponto em que estamos hoje: todos em família.
Mas este post é sobre aquele silêncio que por vezes se perpétua uma vida inteira nas nossas vidas, sobre um determinado assunto incómodo: primeiro por conveniência e depois por hábito. E a este respeito partilho mais uma das histórias do livro Partilha-te, que tenho vindo a falar. Desta vez trata-se da história do Raim e que apenas transcrevo sem nenhum comentário:

 

Vivo em Lisboa, sou homossexual, muçulmano e aos 17 anos os
meus pais, depois de verem que eu tinha umas brochuras da ILGA,
perguntaram-me da forma directa como encaram a vida:
- És gay?
- Sim sou - respondi da forma directa com que eles me ensinaram
- Isso daqui a uns tempos passa... - disse o meu pai
Fiz um ar de quem não estava a perceber, e a minha mãe já
angustiada remata
- Não queres ter uma família?
-...pensei que já tivesse uma. - Respondi
Depois desta resposta mantém-se o silêncio sobre este assunto até
hoje.
O resto continua igual.
Raim
28 Anos

 

publicado por cristms às 17:15
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Segunda-feira, 26 de Outubro de 2009

Partilha-te :: "Os meus pais"

Continuo com muito pouco tempo para postar, mas aproveito esta fase para divulgar algumas histórias do livro Partilha-te. Em continuação do último post, onde o Ricardo descrevia como contou aos seus amigos, trago a 2ª parte da "novela" onde descreve como foi contar aos pais.

 

Os meus pais

 

Acho que o maior receio de quem é homossexual, é o contar aos
pais. Este não é um passo obrigatório mas parte de cada um de nós
saber se considera importante partilhar esta parte tão importante da
nossa vida com eles ou não.
Apesar de este ser um passo muito complicado no meu caso
tornou-se bastante mais fácil pois aproximadamente um mês antes
tinha contado aos meus irmãos que aceitaram muito bem e que se
prontificaram a ajudar-me em tudo o que fosse preciso quando
decidisse contar aos meus pais. Quando decidi contar, perguntei aos
meus irmãos se estariam lá comigo quando isso acontecesse e ainda
bem que o fiz porque a ajuda deles foi essencial.
Decidi então marcar um jantar em casa dos meus pais em que lhes
disse que tinha algo para lhes contar mas que não ia revelar mais nada
até ao dia do "fatídico" jantar. A minha mãe começou então a ligar para
as minhas irmãs para ver se descobria do que se tratava mas elas
conseguiram manter o segredo. Uma das vezes que falou com a minha
irmã disse-lhe que já sabia do que se tratava e que se todos os
problemas fossem assim estava ela bem. Isto foi a forma da minha mãe
me dizer (indirectamente através da minha irmã) que já estava
preparada.
Chegou então o dia do jantar em que iria finalmente contar algo
que escondi durante 17 anos da minha vida. Jantámos, falámos de tudo
e de nada, rimos e tudo corria bem. Esperei pelo fim do jantar e senteime
então à frente dos meus pais e dos meus irmãos e tentei não rodear
muito o assunto e ser directo Quando acabei de revelar a minha
orientação sexual aos meus pais a sala ficou em silêncio durante uns
segundos, que para mim pareceram uma eternidade.
A minha mãe disse-me então que já desconfiava e que por ela
estava tudo bem e desde que eu fosse feliz ela estava bem. O meu pai
não disse quase nada mas aceitou bem. Estranhamente nos dias que se
seguiram eles continuaram a tratar-me como sempre tinham feito mas
eu não conseguia estar com eles. Este processo apanhou-me de
surpresa pois pensei que seriam eles a precisar de tempo para se
adaptar mas na realidade fui eu que precisei de tempo para me poder
sentir à vontade com eles novamente.
Já passaram cerca de dois meses desde que contei e posso dizer
que não houve qualquer alteração na maneira como a minha família me
trata. O amor por um filho ou irmão não desaparece só por causa da
nossa orientação sexual. Infelizmente demorei algum tempo a perceber
isso mas como se costuma dizer: "mais vale tarde que nunca"
Ricardo M. Santos
27 Anos

 

 

Todos os posts sobre o "Partilha-te" podem ser lidos AQUI

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Quinta-feira, 24 de Setembro de 2009

Partilha-te :: "Os meus irmãos"


 


 

Há alguns meses foi lançado o livro "Partilha-te" já por mim referido anteriormente aqui(disponível para download em www.partilhate.com). Basicamente trata-se de 149 histórias de homossexuais, amigos ou familiares que partilham a sua experiência nas mais variadas vertentes. Hoje publico uma dessas histórias, que ao lê-la me "transportou" para o momento em que - no dia que assumi a minha homossexualidade para o meu pai - o meu irmão me ligou depois de contactado pela minha mãe a contar o que se tinha passado. O meu irmão é militar e considero-o a minha antítese. Somos muitooooo diferentes, e dos vários traços da sua personalidade, salientam-se a sua virilidade e as milhentas aventuras que teve com mulheres. Por isso eu receava muito a sua reacção ao saber que o seu irmão era gay. Nesse dia ele ligou, conversamos normalmente (eu estava, aliás, ambos estavamos muito nervosos mas a tentar disfarçar) e na hora da despedida em que eu estava quase a pensar "Ufa, afinal ele não sabe de nada ainda!", eis que me pergunta "Não tens nada para me dizer?". Pronto, nesse momento caiu-me tudo!!! Para me tranquilizar ele quase não me deixou falar, e disse, emocionado: "Mano, já sabemos o que se passa e quero que saibas que eu e a tua cunhada estamos ao teu lado e te apoiaremos no que for necessário. Estamos um pouco chocados mas conta connosco.". Desde então, e (ainda) neste momento em que escrevo estas palavras, não consigo deixar de me emocionar. Foi dos momentos mais marcantes do meu com'out e ainda mexe muito comigo. A história do Partilha-me que transcrevo de seguida, retrata a situação de uma outra pessoa, o Ricardo (um dos principais impulsionadores do livro), e da forma como os seus irmãos receberam a notícia. Quem tiver curiosidade pode ler a história do meu com'out através do marcador "Contar aos pais".

 

Os meus irmãos

 

Durante muitos anos ouvi histórias de pessoas que tinham tido problemas em contar à  família por isso sempre achei que eu não seria diferente. Mas chega uma altura da nossa vida em que não podemos continuar a fugir à realidade e a minha altura tinha chegado. Decidi então, no início do ano, contar aos meus irmãos. Cabia-me agora decidir se contar a todos ao mesmo tempo ou em separado. Por muitos conselhos que possamos pedir, no final de contas somos sempre nós a decidir.

Numa manhã em que estava a trabalhar fui invadido por uma onda de coragem e enviei uma mensagem aos meus irmãos a combinar um encontro pois precisava de falar com eles.
Começaram então chover as mensagens de resposta a perguntar se estava tudo bem e o que se passava. Foram dois ou três dias em que me preparei para todos os cenários possíveis menos para o cenário com que fui confrontado. Preparei também montes de coisas que queira dizer mas no momento da verdade nada desta preparação serviu.
Nada correu como eu planeei e não usei nenhum dos discursos que tinha preparado. No fim depois de alguma conversa de circunstância acabamos por nos sentar, eu de frente para eles e foi então que, estranhamente, fui invadido por uma calma enorme e lhes contei o
maior segredo da minha vida. As palavras que saíram da minha boca "sou homossexual"
provocaram diferentes reacções nos meus irmãos. No momento em que acabei de dizer a frase deu para ver as caras deles mudarem, mas o que aconteceu a seguir não era nada do que eu esperava. Reagiram muito bem, melhor do que qualquer dos cenários que eu tinha criado na minha mente, sendo que a única reacção "negativa" foi que eu já
devia ter contado há mais tempo.

Algo que me espantou também na reacção deles foi terem tentado perceber o quanto eu devo ter sofrido ao esconder durante tantos anos (17 para ser mais preciso) a minha  verdadeira orientação sexual. No momento em que lhes contei a verdade pareceu que o tempo parou e tive tempo de observar cada uma das reacções que eles tiveram e decidi
então perguntar o que pensaram no momento em que contei.
As minhas irmãs disseram-me algo que eu já desconfiava, ou seja que já "sabiam" mas só esperavam por confirmação e o meu irmão que não imaginava e que sempre pensou que eu fosse tímido com as raparigas, mas que me apoiava a 100% e que só tinham pena que eu
tivesse demorado tanto tempo para contar.
No final da conversa senti-me livre, mas nos dias que se seguiram andei completamente perdido com uma confusão de sentimentos enorme. Tudo isso acabou por passar com o tempo e os meus irmãos têm-me dado muito apoio o que é muito importante pois mais à frente iria precisar do apoio deles para contar aos meus pais.
Ricardo M. Santos
27 Anos

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publicado por cristms às 16:43
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Sexta-feira, 10 de Julho de 2009

Partilha-te :: "As saudades são infinitas"

Não resisto a transcrever uma das 149 histórias do livro Partilha-te... Ainda não as li todas, mas das que li esta tocou-me particularmente...

É afinal a história de muitos nós...

 

As férias de Verão na aldeia sabiam sempre bem. Era uma maneira
de descomprimir do stress das aulas e dos professores, de todas as
responsabilidades que uma cidade nos põe nos ombros. Lá, na aldeia, o
tempo não corre. Os vales verdejantes aconchegam-nos o coração e a
alma. Os vales verdejantes e os teus cabelos ruivos. Um contraste quase
outonal. Ainda hoje os teus cabelos ruivos e a tua tez levemente
sardenta me atormentam o espírito. Éramos unha com carne.
Reparei em ti quando devíamos ter para aí doze anos. Na altura
éramos putos rebeldes e divertíamo-nos a jogar playstation nas tardes
soalheiras em tua casa. O sol era imenso e não dava para brincar cá
fora. Só saíamos à tardinha, quando começava a soprar o vento fresco
de norte. Já nessa altura eu gostava quando os teus braços roçavam ao
de leve nos meus, enquanto nos aconchegávamos no sofá estreito, em
frente à televisão, a ver o Jet Set Radio no seu skate maldito.
E os anos passaram. Um, dois, três, quatro. A nossa amizade foi
crescendo. Éramos melhores amigos naquela aldeia. Os outros rapazes
gostavam de ir para o rio ver as moças, jogar à bola e andar de mota. A
nós nada disso nos apelava e punham-nos de lado. Passávamos o
tempo a falar de jogos, de tecnologia, de música, de livros. E fomos
crescendo, lado a lado, solitários. No fim do Verão eu regressava
sempre à urbe, ao bulício, à confusão. E tu por lá ficavas resignado,
cada vez mais só, na tua aldeia. Soube que ultimamente os outros
rapazes gozavam contigo e eu não gostava disso. Chamavam-te
“cenoura”, “cagado das moscas” e coisas assim. E tu fazias orelhas
moucas a eles todos. Era uma alegria sempre que me vias e vinhas logo
para o pé de mim a correr. Íamos para o miradouro, longe de tudo e
todos, olhar o rio. Lá, abraçavas-me, e agarravas-te a mim. Preguiçoso
como eras, deitavas-te no meu colo e deixavas que eu te fizesse festas,
devagarinho, no cabelo. Enquanto fechavas os olhos e dizias coisas
muito baixinho e lentamente. E eu olhava-te de cima e só desejava que
o tempo nunca mais passasse. Estava a ficar completamente apanhado
e não havia retorno.
Neste último ano a tua mãe dera-te um telemóvel. Passaste o ano a
melgar-me com mensagens, às quais, eu respondia sempre, presto e
com carinho. Queixavas-te de um Inverno rigoroso e solitário que
nunca mais passava. De tardes e noites enfiado em casa só a jogar e a
ler porque não tinhas mais nada para fazer nem ninguém com quem
falar. E uma solidão que te começava a enlouquecer. Eu, na cidade,
rodeado de gente e facilidades. Mas cada vez mais só, também. Não me
revia em nenhum dos meus colegas que só se pareciam interessar por
futilidades. E sempre que pensava em amor não era uma moça que me
vinha à ideia. Eras tu. Tu, quem me aparecia sempre nos sonhos.
Sonhava contigo no meu colo, no miradouro, e em como, devagarinho,
me baixava e tu deixavas que os meus lábios tocassem nos teus. Ao
pôr-do-sol. Era um cenário perfeito. Era uma fantasia perfeita. E
sobrevivi mais um ano inteiro na cidade à custa dela.
Quando chegou a Julho reunimo-nos de novo. O Julho dos nossos
dezasseis anos iria ser mágico, pensei. Não podia ser de outra forma.
Tinhas crescido e criado alguma barriguinha. Nada que te afectasse.
Era mais qualquer coisa para apalpar e com a qual eu me podia meter.
Tu afastavas-te a rir e a dizer “Pá, pára lá com isso”, mas sem levar a
mal. No entanto estavas mais frio, mais distante. Apenas um pouco,
mas notava-se. Os anos iam tendo peso em ti. E a descoberta de ti
mesmo também. O que era natural, também me vinha descobrindo a
mim próprio. E nesta altura já não tinha dúvidas. Do que eu era, de
quem eu era, do que sentia. Mas o tempo ia passando e não havia
novidades. As mesmas brincadeiras de sempre, as mesmas conversas,
era tudo bom, mas sentia falta de qualquer coisa. Sentia falta de mais.
De um passo, do nosso beijo, do beijo que tanto imaginei. E de tudo o
que se poderia seguir. Mas tu não tomavas iniciativas e fechavas-te em
copas. Uma vez, em tua casa, quando jogávamos playstation, fui atrás
de ti, espreitar-te, à casa de banho. Não fiz por mal, tinha muita
curiosidade. Tu reparaste. Mas nada disseste. Baixaste apenas a cabeça
e ficaste calado. Pareceste ficar um pouco incomodado. Já te conhecia
bem demais. Quando os outros rapazes gozavam contigo era isso que
fazias. Baixavas a cabeça e fechavas-te em copas.
Outro dia, quando passeávamos na estrada, pus-te a mão no
ombro e comecei a apertá-lo ao de leve. Nada que não tivesse feito
antes, que não fosse natural entre nós. E tu nada disseste. Mas quando
a dona Arminda se aproximou, ao fundo da curva, mal te apercebeste
da sua presença, retiraste-me a mão. Foi um pequeno gesto. Muito
subtil, que ninguém notaria. Mas que eu notei e me deixou triste. Nessa
noite tive vontade de chorar. Parecia que te estava a perder aos poucos.
Comecei a entrar em turbilhão na minha cabeça. Não podia ser. A
imagem do beijo encorajava-me. De ti no meu colo. No dia seguinte
levei-te ao miradouro.
Mas não te deitaste no meu colo. Ficaste apenas calado com a
cabeça a olhar o longe. Coloquei as minhas mãos nas tuas costas e fizte
umas leves massagens. Mas tu não rolaste nem deste patinha. Não te
derreteste como era costume. Ficaste como uma estátua. Pus a mão no
teu cabelinho e afaguei-o. Virei a tua cara para a minha e disse apenas:
- Tenho algo muito importante para te dizer.
Os teus olhos cruzaram os meus e piscaram. Quase um esgar de
dor. Pareceram minutos infindáveis os segundos que me contemplaste
a tentar ler a minha alma. E quando acabaste de o fazer só fechaste os
olhos, a medo, retorquindo:
- Não sei se quero ouvir isto...
Mas já era tarde. Eu já ia embalado. Ou era agora ou nunca. Eu
não te podia perder.
- Acho que estou apaixonado por ti. Eu gosto de ti.
Ficaste parado, sem reacção. Olhaste para o rio. Desviaste o olhar
de mim. Eu desinchei como um balão, mas quase tremia expectante.
Temi uma fúria desmedida. Pensei muito nisso quando antecipava este
momento. Podias ficar furioso. Mas eu tinha de arriscar. Porque ainda
acreditava que, no fundo, te irias render e eu iria ter o meu beijo.
Mas não. Nem ficaste furioso, nem eu tive o meu beijo. Limitastete
a levantar, baixar a cabeça e em silêncio desaparecer.
- Tenho de ir jantar...
Disseste com voz sumida.
E eu fiquei prostrado a olhar o vazio. Uma lágrima veio por mim
abaixo. Suspirei muito. “Já está!” Pensei. “Agora não há volta a dar”.
Durante a semana toda não vieste à rua. Não apareceste. Não
respondeste a nenhuma mensagem. Nada. Um silêncio dilacerante. E
eu não tinha coragem sequer de te ir bater à porta. Passei a semana a
comer mal, a dormir mal. A minha avó achou que eu estava doente e
resolveu mandar-me de volta para casa, para a cidade. E eu concordei.
Já não estava ali a fazer nada. O meu paraíso estava um inferno. A
minha mente andava a mil à hora e não percebia, não conseguia
compreender o que se passava. Como tudo tinha mudado. E como
tudo tinha ficado tão difícil. No dia seguinte partiria. Antes porém
passei por tua casa, tinha mesmo de te ver. Com toda a coragem do
mundo bati à porta. Abriu-a a tua mãe. Sorriu-me como sempre, nela
nada houvera mudado e disse-me para entrar e avisou que eu estava ali.
Entrei a medo e fui até à sala. Estavas a jogar, como sempre, e nem
viraste a cara para mim. Disse-te apenas:
- Amanhã vou embora. Volto para casa.
Continuaste a jogar como se nada fosse. Nem estremeceste. Fiquei
impávido e chamei o teu nome baixinho. Acabei por murmurar.
- Desculpa...
Não sei porque o disse. Mas disse-o. Vacilaste. Senti uma pequena
reacção, uma palavra que finalmente penetrou a tua muralha silenciosa.
Muito baixinho murmuraste a custo e muito devagarinho, sempre sem
virar a cara.
- A minha boca é um túmulo... Faz boa viagem... E que tenhas
muita sorte na vida...
Virei-me e parti com o coração destroçado. Mas ao mesmo tempo
aliviado. Se não me tivesse declarado ficaria para sempre a pensar no
que poderia ter acontecido. Assim, o assunto morreu ali. Nunca soube
o que realmente se passou. O que realmente iria na tua cabeça, se
tinhas medo. Porque antes nunca mostraras medo. Se gostavas de
alguém. Como iria o teu coração. Porque nunca te ouvira falar em
raparigas. Nunca te ouvira falar em ninguém. Ainda hoje conservo no
meu telemóvel a mensagem enviada meses antes.
- Quando vens para a aldeia? Já estou a ficar doido de estar aqui
sozinho. As saudades são infinitas...


André Abel Aaires
22 Anos
 

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